sexta-feira, 9 de março de 2012













Dizem que a rosa simboliza a  “feminilidade”, a delicadeza. É a mesma metáfora que usam para coibir nossa sexualidade — da supervalorização da virgindade é que saiu o verbo “deflorar” (como se o homem, ao romper o hímen de uma mulher, arrancasse a flor do solo, tomando-a para si e condenando-a – afinal, depois de arrancada da terra, a flor está fadada à morte). É da metáfora da flor, portanto, que vem a idéia de que mulheres sexualmente ativas são “putas”, inferiores, menos respeitáveis. 
A delicadeza da flor também é sua fraqueza. Qualquer movimento mais brusco lhe arranca as pétalas.  Dizem o mesmo de nós: que somos o “sexo frágil” e que, por isso, devemos ser protegidas. Mas protegidas do quê? De quem? A julgar pelo número de estupros , precisamos de proteção contra os homens. Ah, mas os homens que estupram são psicopatas, dizem. São loucos. Não é com estes homens que nós namoramos e casamos, não é a eles que confiamos a tarefa de nos proteger.  Mas, bem,  segundo pesquisa Ibope/Instituto Patricia Galvão, 51% dos brasileiros dizem conhecer alguma mulher que é agredida por seu parceiro . No resto do mundo, em 40 a 70 por cento dos assassinatos de mulheres, o autor é o próprio marido ou companheiro .Este tipo de crime também aparece com frequência  na mídia. No entanto, são tratados como crimes “passionais” – o que dá a errônea impressão de que homens e mulheres os cometem com a mesma frequência, já que a paixão é algo que acomete ambos os sexos. Tratam os homens autores destes crimes como “românticos” exagerados, príncipes encantados que foram longe demais . No entanto,são as mulheres as neuróticas nos filmes e novelas . São elas que “amam demais”,não os homens .
Mas a rosa também tem espinhos, o que a torna ainda mais simbólica dos mitos que o patriarcado atribuiu às mulheres. Somos ardilosas, traiçoeiras, manipuladoras, castradoras. Nós é que fomos nos meter com a serpente e tiramos o pobre Adão do paraíso (como se Eva lhe tivesse enfiado a maçã goela abaixo, como se ele não a tivesse comido de livre e espontânea vontade). Várias culturas têm a lenda da vagina dentata . Em Hollywood, as mulheres usam a “sedução” para prejudicar os homens e conseguir o que querem. Nos intervalos do canal Sony, os machos são de “respeito” e as mulheres têm “mentes perigosas”.  A mensagem subliminar é: “cuidado, meninos, as mulheres são o capeta disfarçado”. E, foi com medo do capeta que a sociedade, ao longo dos séculos, prendeu as mulheres dentro de casa. Como se isso não fosse suficiente, limitaram seus movimentos com espartilhos, sapatos minúsculos (na China), saltos altos. Impediram-na que estudasse, que trabalhasse, que tivesse vida própria. Ela era uma propriedade do pai, depois do marido. Tinha sempre de estar sob a tutela de alguém, senão sua “mente perigosa” causaria coisas terríveis.
Mas dizem que a rosa serve para mostrar que, hoje, nos valorizam. Hoje, sim. Vivemos num mundo “pós-feminista” afinal. Todas essas discriminações acabaram! As mulheres votam e trabalham! Não há mais nada para conquistar! Será mesmo? Nos últimos anos, as diferenças salariais entre homens e mulheres (que seguem as mesmas profissões) têm crescido  no Brasil, em vez de diminuir. Nos centros urbanos, onde a estrutura ocupacional é mais complexa, a disparidade tende a ser pior . Considerando que recebo menos para desempenhar o mesmo serviço, não parece irônico que o meu colega de trabalho me dê os parabéns por ser mulher?
Dizem que a rosa é um sinal de reconhecimento das nossas capacidades.  Mas, no ranking de igualdade política do Fórum Econômico Mundial de 2008, o Brasil está em 10oº lugar entre 130 países . As mulheres têm 11% dos cargos ministeriais e 9% dos assentos no Congresso — onde, das 513 cadeiras, apenas 46 são ocupadas por elas.  Do total de prefeitos eleitos no ano passado, apenas 9,08% são mulheres . E nós somos 52% da população.
A rosa também simboliza beleza. Ah, o sexo belo. Mas é só passar em frente a uma banca de revistas para descobrir que é exatamente o contrário. Você nunca está bonita o suficiente, bobinha. Não pode ser feliz enquanto não emagrecer. Não pode envelhecer. Não pode ter celulite (embora até bebês tenham furinhos na bunda). Você só terá valor quando for igual a uma modelo de 18 anos (as modelos têm 17 ou 18 anos até quando a propaganda é de creme rejuvenescedor…).  Mas mesmo ela não é perfeita: tem de ser photoshopada. Sua pele é alterada a ponto de parecer de plástico: ela não tem espinhas nem estrias nem olheiras nem cicatrizes nem hematomas, nenhuma dessas coisas que a gente tem quando vive. Ela sorri, mas não tem linhas ao lado da boca. Faz cara de brava, mas sua testa não se franze. É magérrima (às vezes, anoréxica), mas não tem nenhum osso saltando. É a beleza impossível, mas você deve persegui-la mesmo assim, se quiser ser “feminina”. Porque, sim, feminilidade é isso: é “se cuidar”. Você não pode relaxar. Não pode se abandonar (em inglês, a expressão usada é exatamente esta: “let yourself go”). Usar uma porrada de cosméticos e fazer plásticas é a maneira (a única maneira, segundo os publicitários) de mostrar a si mesma e aos outros que você se ama. “Você se ama? Então corrija-se”. Por mais contraditória que pareça, é esta a mensagem.
Todo dia 8 de março, nos dão uma rosa como sinal de respeito. No entanto, a misoginia está em toda parte.  Os anúncios e ensaios de moda glamurizam  a violência  contra a mulher . Nas propagandas de cerveja e programas humorísticos, as mulheres são bundas ambulantes, meros objetos sexuais. A pornografia mainstream (feita pela Hollywood pornô, uma indústira multibilionária) tem cada vez mais cenas  de violência, estupro e simulação de atos sexuais feitos contra a vontade da mulher. Nos videogames, ganha pontos quem atropelar prostitutas.
Todo dia 8 de março, volto para casa e vejo um monte de mulheres com rosas vermelhas na mão, no metrô. É um sinal de cavalheirismo, dizem. Mas, no mesmo metrô, muitas mulheres são encoxadas todos os dias. Tanto que o Rio criou um vagão exclusivo para as mulheres, para que elas fujam de quem as assedia. Pois é, eles não punem os responsáveis. Acham difícil. Preferem isolar as vítimas. Enquanto não combatermos a idéia de que as mulheres que andam sozinhas por aí são “convidativas”, propriedade pública, isso nunca vai deixar de existir. Enquanto acharem que cantar uma mulher na rua é elogio  , isso nunca vai deixar de existir. Atualmente, a propaganda da NET mostra um pinguim (?) dizendo “ê lá em casa” para uma enfermeira. Em outro comercial, o russo garoto-propaganda puxa três mulheres para perto de si, para que os telespectadores entendam que o “combo” da NET engloba três serviços. Aparentemente, temos de rir disso. Aparentemente, isso ajuda a vender TV por assinatura. Muito provavelmente, os publicitários criadores desta peça não sabem o que é andar pela rua sem ser interrompida por um completo desconhecido ameaçando “chupá-la todinha”.
Então, dá licença, mas eu dispenso esta rosa. Não preciso dela. Não a aceito. Não me sinto elogiada com ela. Não quero rosas. Eu quero igualdade de salários, mais representação política, mais respeito, menos violência e menos amarras. Eu quero, de fato, ser igual na sociedade. Eu quero, de fato, caminhar em direção a um mundo em que o feminismo não seja mais necessário.

…Enquanto isso não acontecer, meu querido, enfia esta rosa no dignissímo senhor seu..”.

Sinto-me especialmente feliz por conseguir me indignar frente a coisas simples e relativamente bem aceitas pela sociedade. Um exemplo são os tradicionais concursos de miss.

Quantas mulheres, ao longo da história, dedicaram suas vidas a combater o machismo, a conquistar o espaço que temos hoje. Mulheres que viveram e enxergaram além do seu tempo e, por isso, foram estigmatizadas, hostilizadas e sofreram todas as "sanções sociais" possíveis.

Hoje, procuramos nos qualificar profissional e intelectualmente. Aprendemos idiomas estrangeiros para alcançar novas culturas e novas oportunidades - não, apenas, por ser obrigação de uma moça fina. Batalhamos, todos os dias, no mercado de trabalho, para receber, no mínimo, o mesmo salário que os homens, ao executar o mesmo trabalho. Brigamos em casa para que nossos companheiros dividam as tarefas domésticas e, consequentemente, compatilhem conosco o "terceiro expediente". No trabalho, elogios e assédio ainda se confundem e as dúvidas sempre pairam sobre quem não se submete. Afinal, é mais fácil encontrar uma subalterna vadia, do que um chefe tarado.

Nosso corpo é só nosso e, por isso, temos que brigar, ainda, com a Igreja e com o Estado, para que compreendam isso e nos permitam cuidar dele como nos convenha. Por falar em corpo, temos mesmo que cuidar dele muito bem, porque há grandes chances de sermos discriminadas, caso estejamos muito distante dos padrões de beleza. Quantas são admiradas por serem chefes de família, por criarem seus filhos e serem mães e pais ao mesmo tempo? Tenho a certeza, também, de que hoje as mães sonham que suas filhas ocupem, em igual quantidade e qualidade, cargos de chefia, diretorias, presidências. Poucas décadas atrás, o principal anseio das mães para felicidade de suas filhas era mais difícil de alcançar: que fizessem um bom casamento (seja lá o que isso significasse), tivessem muitos filhos e fossem felizes para sempre.

Em meio a todo esse contexto, vemos concursos de beleza de todo tipo. Miss disso ou daquilo, musa, garota, rainha, princesa. Desfilam, dançam, respondem abobrinhas, coisas ridículas e medíocres ou, no mínimo, memorizadas e falsamente vomitadas ao microfone. São ridicularizadas, servem de chacota, seja por serem bonitas e terem falado absurdos, seja por não cumprirem com os padrões - locais ou "universais" - de beleza imposto nos concursos. No final, a vencedora ganha uma faixa, um cetro e uma coroa. Acena doce e passivamente à multidão, chora de emoção, agradece, vai embora. Em resumo, representa tudo o que sempre nos tentaram impor e que esbravejamos para não permitir. Aceitam pacificamente discriminação social e racismo evidentes em TODOS esses concursos, e assumem, tacitamente, que a beleza é o que uma mulher pode oferecer de melhor. Afinal, o que mais elas oferecem nesse concurso? Habilidades? Conhecimentos? Cultura?

Esse ano, o Miss Universo acontecerá no Brasil. Para quê? Não precisamos de uma rainha, temos uma presidenta eleita pelo voto direto. Já colocamos a faixa no peito de uma mulher que não é bonita, não é jovem, nem loira, alta e magra. Tem o corpo castigado por lutar pela democracia e pelo povo do seu país. Por não ser doce, dócil, passiva, submissa, tem fama de ser dura, fria, grossa. E, no Brasil governado por esta mulher, tantas outras morrem assassinadas por seus companheiros; morrem de parto ou de complicações por aborto inseguro; são violentadas e exploradas sexualmente; trabalham no campo e na cidade, em casas de família, na informalidade e não têm seus direitos trabalhistas respeitados. Para que uma rainha da beleza, se temos mais de 22 milhões de mulheres chefes de família. Em nossa História, recente e remota, temos tantas mulheres que nos orgulham e nos fazem acreditar que vale à pena lutar por um mundo melhor. Não, definitivamente não precisamos de títulos como esses.

Por tudo isso e em respeito às mulheres do Mundo, eu não assisto ao concurso de Miss. E você?

*Marília Arraes, vereadora do Recife pelo PSB

terça-feira, 6 de março de 2012

Catadora entra para Ufes com ajuda de livros econtrados no lixo



 No mundo todo, os países que mais avançaram foram os que se convenceram do poder transformador da educação. NoEspírito Santo, o repórter André Junqueira encontrou uma trabalhadora que também pensa assim.
A entrada para um universo cheio de novidades e conhecimento foi cercada de emoção. “Na hora que desci do ônibus e coloquei o pé direito, falei: ‘Meu Deus, estou dentro da Ufes’”, conta Ercília Mozer.

A nova aluna da universidade federal tem 41 anos. Ercília ajuda o marido a recolher sucata e vender para o ferro velho. Foram 20 anos longe da sala de aula. Até que ela viu, durante mais um dia de trabalho pesado, o anúncio de uma chance no muro de uma escola. “Na hora que olhei o cartaz estava escrito: ‘inscrição para o EJA’, que é educação de jovens e adultos”m, lembra.
“O sonho dela era se formar, então o que eu pude fazer foi falar para ela ir em frente”, diz o marido Everaldo Teixeira.
Ela seguiu adiante. Mas, de casa para a escola, na cidade de Serra, na Grande Vitória, era uma hora de caminhada. O filho pequeno não poderia ficar sozinho. Não era fácil para Breno. “Eu ficava cansado! Muito cansado”, confessa o menino.
A bicicleta acoplada ao carrinho para transportar sucata virou solução. “Quando eu comecei a pedalar, me senti muito feliz”, ela revela.

Ercília concluiu o ensino médio dividindo tempo entre o estudo e a lida de recolher sucata com o marido. Foi aí que ela percebeu que poderia ir ainda mais longe. Ercília e Everaldo encontraram livros de biologia, de matemática e muitos outros no lixo. Eles não quiseram saber de jogar fora essa oportunidade.

Foram madrugadas de estudo. Não teve livro sem proveito. “Por eu não ter acesso a esse mundo de internet, eu tive que contar com os livros”, destaca Ercília.

Nesta segunda-feira (5), a aluna do curso de artes plásticas na federal do Espírito Santo se juntou aos outros calouros.

segunda-feira, 5 de março de 2012

A Separação



Saímos do cinema com a certeza de que, para um excelente filme, bastam uma excelente idéia, alguma técnica sobre todas as minúcias dessa arte, e muita, muita sensibilidade e confiança no próprio olhar, diferentemente das grandes produções norte americanas, que não dizem nada, além de serem extremamente repetitivas.


Nadja, minha mulher,  é filha de ator premiado internacionalmente, e eu, com o meu “Tâmara, a Rainha do Cacareco”, eternamente sendo roteirizado, somos quase viciados em cinema, e voltamos com nossa filha Kekel pra casa comentando que não ia dar pra simplesmente ligar a TV e assistir qualquer coisa.

Ainda bem que não passou nenhum trailer antes do filme.


De repente nos vemos dentro de uma copiadora que recebe um a um os documentos do casal que pede o divórcio. Em seguida eles fitam os olhos de um juiz que não aparece, através da câmera que se posiciona bem à frente de cada um dos dois, enquanto tentam convencê-lo de que seu motivo é o mais forte, o mais justo.


Somos nós aquele invisível juiz, e assim nos posicionaremos durante toda a trama, julgando as razões de cada um daqueles personagens, uns aprisionados a raízes religiosas e culturais, outros, como o casal em separação, a motivos pessoais e laços afetivos, sobrepujados por caprichos em não ceder aos pretextos do outro.

Um tema corriqueiro para nós ocidentais é realçado por questões morais inflexíveis, religiosas aprisionadas ao Corão sobre o qual ninguém corre o risco de jurar falsamente, mas, principalmente, por conta de um roteiro poderoso, atento aos detalhes imprescindíveis, e com um ritmo que nos mantém presos à tela.

 Asghar Fahardi – produtor, roteirista e diretor –  deixa no ar mais questões que respostas, levando à reflexão sobre os vários temas abordados, inclusive se uma criança, seja lá onde for, terá um futuro melhor no seu próprio país ou fora dele. É um filme também honesto, e em nenhum momento tenta induzir ou manipular o grande público a ser pró ou contra a cultura milenar do seu povo.  Por isso termina da única maneira que poderia terminar para ser o grande filme que é, em aberto, marcado pela dor da filha.

A separação estreia aqui, após ter conquistado o Urso de Ouro de melhor filme no último Festival de Berlim, além de dois Ursos de Prata para o conjunto das interpretações masculina e feminina e o Globo de Ouro de melhor filme de língua estrangeira. Nada mais justo. O novo trabalho de Farhadi, diretor do também ótimo “Procurando Ely”, é um drama poderoso, moral e social, e chega ao Oscar no próximo domingo, em "território inimigo", com força total.


Complemento em 27 de fevereiro de 2012.


O iraniano "A Separação" ganhou o Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira ontem, domingo, durante a cerimônia da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas em Los Angeles, nos Estados Unidos.


"Neste momento, muitos iranianos em todo o mundo estão nos assistindo e imagino que estão muito felizes", disse Farhadi ao receber o Oscar.

"Em um momento de cabo de guerra, intimidação e agressões trocadas entre políticos, o nome do país deles, o Irã, é falado aqui através de sua gloriosa cultura, uma cultura rica e antiga que tem sido escondida sob a poeira pesada da política", afirmou.

"Eu orgulhosamente ofereço esse prêmio para o povo do meu país, às pessoas que respeitam todas as culturas e civilizações e desprezam hostilidade e ressentimento", acrescentou, numa alusão clara à política beligerante norte americana.







Rodolfo Vasconcellos