segunda-feira, 5 de março de 2012

A Separação



Saímos do cinema com a certeza de que, para um excelente filme, bastam uma excelente idéia, alguma técnica sobre todas as minúcias dessa arte, e muita, muita sensibilidade e confiança no próprio olhar, diferentemente das grandes produções norte americanas, que não dizem nada, além de serem extremamente repetitivas.


Nadja, minha mulher,  é filha de ator premiado internacionalmente, e eu, com o meu “Tâmara, a Rainha do Cacareco”, eternamente sendo roteirizado, somos quase viciados em cinema, e voltamos com nossa filha Kekel pra casa comentando que não ia dar pra simplesmente ligar a TV e assistir qualquer coisa.

Ainda bem que não passou nenhum trailer antes do filme.


De repente nos vemos dentro de uma copiadora que recebe um a um os documentos do casal que pede o divórcio. Em seguida eles fitam os olhos de um juiz que não aparece, através da câmera que se posiciona bem à frente de cada um dos dois, enquanto tentam convencê-lo de que seu motivo é o mais forte, o mais justo.


Somos nós aquele invisível juiz, e assim nos posicionaremos durante toda a trama, julgando as razões de cada um daqueles personagens, uns aprisionados a raízes religiosas e culturais, outros, como o casal em separação, a motivos pessoais e laços afetivos, sobrepujados por caprichos em não ceder aos pretextos do outro.

Um tema corriqueiro para nós ocidentais é realçado por questões morais inflexíveis, religiosas aprisionadas ao Corão sobre o qual ninguém corre o risco de jurar falsamente, mas, principalmente, por conta de um roteiro poderoso, atento aos detalhes imprescindíveis, e com um ritmo que nos mantém presos à tela.

 Asghar Fahardi – produtor, roteirista e diretor –  deixa no ar mais questões que respostas, levando à reflexão sobre os vários temas abordados, inclusive se uma criança, seja lá onde for, terá um futuro melhor no seu próprio país ou fora dele. É um filme também honesto, e em nenhum momento tenta induzir ou manipular o grande público a ser pró ou contra a cultura milenar do seu povo.  Por isso termina da única maneira que poderia terminar para ser o grande filme que é, em aberto, marcado pela dor da filha.

A separação estreia aqui, após ter conquistado o Urso de Ouro de melhor filme no último Festival de Berlim, além de dois Ursos de Prata para o conjunto das interpretações masculina e feminina e o Globo de Ouro de melhor filme de língua estrangeira. Nada mais justo. O novo trabalho de Farhadi, diretor do também ótimo “Procurando Ely”, é um drama poderoso, moral e social, e chega ao Oscar no próximo domingo, em "território inimigo", com força total.


Complemento em 27 de fevereiro de 2012.


O iraniano "A Separação" ganhou o Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira ontem, domingo, durante a cerimônia da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas em Los Angeles, nos Estados Unidos.


"Neste momento, muitos iranianos em todo o mundo estão nos assistindo e imagino que estão muito felizes", disse Farhadi ao receber o Oscar.

"Em um momento de cabo de guerra, intimidação e agressões trocadas entre políticos, o nome do país deles, o Irã, é falado aqui através de sua gloriosa cultura, uma cultura rica e antiga que tem sido escondida sob a poeira pesada da política", afirmou.

"Eu orgulhosamente ofereço esse prêmio para o povo do meu país, às pessoas que respeitam todas as culturas e civilizações e desprezam hostilidade e ressentimento", acrescentou, numa alusão clara à política beligerante norte americana.







Rodolfo Vasconcellos

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