sexta-feira, 9 de abril de 2010

Em dias de chuva


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Chovem duas chuvas:

Uma de água e outra de lágrimas
Uma de água e outra de lama
Uma de água e outra de casas
Chuvas que deixam crianças sem cama

Chovem duas chuvas:

Uma de água e outra de fome
Uma de água e outra de azar
Uma de água e outra sem nome
Chuvas que levam em suas águas a paz

Chuvas de desespero, de tristeza
Chuvas de solidão
Chuvas em cima da mesa
Terra no lugar do pão

Esta chuva que não cessa
Deixando tantos ao léu
Pedidos, súplicas e promessas
Olhares aflitos esperam a ajuda do céu

Corpos engolidos pela terra
Sem tempo de se despedir
Avalanches invadem sem espera
Vidas convidadas a partir

No olhar da menina passeia uma lágrima
A chuva insolente beija-lhe a face
Pezinhos descalços no chão de lástimas
Na inocência das crianças a esperança nasce

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Autora: Cassiane Schmidt

terça-feira, 6 de abril de 2010

Sábado, Fevereiro 27, 2010

A Covardia de Humberto de Almeida, e seu blog "Eu Plural"

Sávio Rolim preparando-se para a cena do beijo apaixonado em Mª de Fátima Almeida, em memorável cena do premiadíssimo filme "MENINO DE ENGENHO', da obra homônimo, de José Lins do Rêgo. Segundo relatos do Diretor, Sávio queria a todo instante ensaiar mais uma vez o beijo, enquanto a mãe de Maria de Fátima Almeida tentava evitar... Como ele sempre abria os olhos, a cena tinha que ser ensaiada mais uma vez.

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Colocar no papel seus pensamentos, suas idéias, seus medos, sonhos, credos ou decepções, requer inabalável coragem visto que, posto ali está seu íntimo, até então desesperadamente protegido do ávido olhar humano. Os Homens que optam por escrever sobre si mesmos, assim o fazem porque sua sensação de dividir é mais intensa que seus temores. A clareza do olhar lançado sobre si mesmos expõe sua mortalidade e pequenez, certezas estas que os tornam generosos com a vida em todas as suas formas, e complacentes com as mazelas que passam ao largo. Mas, infelizmente, prevalecem os homens que, acabrunhados com sua indigência de caráter, devoram a agonia alheia e a ostentam como troféus através de textos medíocres, à espera de que sejam festejados por outros miseráveis.

Há duas semanas me deparei com o texto de Humberto de Almeida sobre a situação aflitiva vivida pelo artista paraibano Sávio Rolim, meu sogro desde fevereiro de 2006.

Meu primeiro contato pessoal com Sávio só viria acontecer em janeiro de 2008, em face da dificuldade de mantê-lo sóbrio por um ou dois dias, apesar do empenho de sua filha (minha mulher) Nadja. Moro em Recife há muito, e estava ansioso para pedir-lhe logo a mão da filha em casamento, uma exigência dele. Nós três passamos a manhã juntos e, ao pedir-lhe Nadja, respondeu solenemente – “Com muito orgulho, Rodolfo.” Na manhã seguinte, passamos na pensão onde morava, para nos despedirmos. Encontramo-lo à entrada, desfalecido e em estado físico e higiênico lastimável. Abster-se um único dia foi o máximo que conseguiu. A partir daí, juntei-me ao esforço para salvá-lo e, desde então, as ruas e sarjetas pessoenses nunca mais o acolheram. Encontra-se a salvo, apesar da dificuldade em descobrir uma instituição que o abrigasse e tratasse contra sua própria vontade. Isso nunca havia sido conseguido antes por nenhum dos tantos que dele se acercaram, e acabaram de alguma forma com isso se beneficiando, por contarem sua história em livros, blogs, reportagens ou filmes. Como sanguessugas arvoraram-se em expor toda sua dor e expiação, e foram laureados com críticas favoráveis e prêmios em festivais. Mas, Sávio, eles deixaram lá, onde estava e como estava.

A história de Sávio Max Rolim reveste-se de nuances singulares. Arrancado do convívio familiar para viver a sedutora experiência de ser artista de cinema ainda aos treze anos, sentiu na pele o quanto lhe custou haver trocado a família pelo que a vida lhe presenteava de forma irrecusável . Ainda quase na adolescência vieram o reconhecimento unânime da crítica, a fama, a grana, as festas nos melhores salões do Rio e São Paulo, as viagens internacionais, as mulheres encantadoras das noitadas regadas aos melhores champangnes, as primeiras experiências com as drogas e, a partir daí, além do abandono dos que o levaram ainda criança até ali, o desprezo da mãe que, orientada por quem lhe administrava os bens, valeu-se de sua fragilidade psicológica e convenceu-o a abrir mão oficialmente da herança que um dia haveria de pertencer-lhe.

De volta do eixo Rio/São Paulo onde não mais conseguia sobreviver como ator, Sávio trabalhou como repórter no Jornal O Norte e depois montou uma pequena empresa de dedetização da qual era o único membro. Trabalhava duro e lutava cada dia com menos armas contra as drogas e o álcool. Faltou-lhe amigos de verdade mas, principalmente, faltou-lhe uma mãe naqueles dias medonhos, pois uma mãe não expulsa o filho de casa e muito menos o rejeita em seu colo, mesmo drogado. Sávio tentou lhe pedir socorro diversas vezes, não sendo sequer recebido em sua fazenda em Cajazeiras. Seus irmãos (com exceção de uma irmã que mora no interior de Minas e já tentou ajudá-lo), morreram todos ainda na meia idade, enquanto sua mãe só no ano passado.

Sávio peregrinou malroupido pelas esquinas e becos da capital paraibana por intermináveis dez anos, encontrando sempre nas madrugadas quem lhe pagasse uma cachaça, ou lhe agredisse fisicamente após irritar-se com seus questionamentos filosóficos.

O dependente químico é visto pela grande maioria da sociedade como um marginal, um delinqüente, uma escoria da sociedade e, quando a essa dependência, é acrescida a esquizofrenia, estabelece-se um preconceito aterrorizante.

As pessoas com esquizofrenia paranóide, além de não serem propensas à violência, freqüentemente preferem ser deixadas sozinhas. As visitas de sua única filha Nadja aconteciam todos os meses, e não era prudente que fossem com mais freqüência em virtude do assédio que sofria dos outros “loucos” que dividiam a pensão com seu pai. Vê-lo constantemente, ao passar de ônibus pela Lagoa, maltrapido, caminhando cambaleante a ermo, cortava-lhe o coração. Quantos interurbanos recebi do seu celular ainda dentro do ônibus que a levaria ao trabalho na Fundação Casa José Américo de Almeida, em prantos, desesperada por não poder fazer nada para tirá-lo das ruas. Pessoas às quais creditava preocupação com o futuro de Sávio, mostraram-se egoístas, pois, na verdade, apenas travavam um arranca-rabo pessoal através da imprensa paraibana com os governistas do deposto Cássio Cunha Lima. À Sávio, de verdade, nada.

Indignado com o texto de Humberto de Almeida em seu blog “Eu Plural”, enviei um comentário redigido às pressas, ainda no calor da agressão desferida a minha mulher, mas, tive o cuidado de salvar a tela depois de enviado o texto, onde está registrada a frase “Your comment is awaiting moderation”, ou seja: “Seu comentário está aguardando moderação” que significa que o texto foi recebido e será submetido à apreciação do blogueiro, antes de ser disponibilizado aos olhares dos internautas. Eu já desconfiava do caráter de Humberto de Almeida, pois, uma pessoa digna não publica um texto no qual bajula os aproveitadores e acusa a filha da vítima, por achá-la, equivocadamente, indefesa. No texto reproduz frases já cunhadas anteriormente por outros aproveitadores, e profetiza: “(...) um dia, sem esperar, nos deparemos com uma chamada de capa, manchete, informando que sávio rolim fora encontrado morto na contramão da história, e ficou ali, corpo caído, atrapalhando o tráfego e o trânsito.” E foi quase assim que Sávio jazeu sua inconsciência como alvo desse homem (com “h” minúsculo) que escreve sobre o infortúnio de outros homens, fundamentado em “pelo que eu soube” e “dizem...”.

Mais uma vez sua preocupação única em compor o texto com frases de efeito, sem nenhuma inquietação com a pessoa de Sávio, com o respeito que se deve a tudo que tem vida... à verdade.

O que mais lhe diria, ele já o sabe, pois recebeu o texto-comentário abaixo transcrito, e não teve a coragem de publicá-lo e contra-argumentar.

Na sua pluralidade, Humberto, habita densamente a covardia.

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